1. O Surgimento da Sociologia
Podemos entender a sociologia como uma das manifestações do pensamento moderno. Desde Copérnico, a evolução do pensamento era exclusivamente científico. A sociologia veio preencher a lacuna do saber social, surgindo após, a constituição das ciências naturais e de várias ciências sociais. A sua formação constitui um acontecimento complexo para o qual concorreram circunstâncias históricas e intelectuais e intenções práticas. O seu surgimento ocorre num momento histórico determinado, coincidente com os últimos momentos da desagregação da sociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista.
A criação da sociologia não é obra de um só filósofo ou cientista mas o trabalho de vários pensadores empenhados em compreender as situações novas de existência que estavam em curso.
As transformações econômicas, políticas e culturas verificadas no século XVII, marca de forma indelével a sociologia. As revoluções industrial e a francesa patrocinam a instalação definitiva da sociedade capitalista. Somente por volta de 1830, um século depois, surgiria a palavra sociologia, fruto dos acontecimentos das duas revoluções citadas. A revolução industrial, à parte a introdução da máquina a vapor e os aperfeiçoamentos dos métodos produtivos, determinou o triunfo da indústria capitalista pela concentração e controle de máquinas, terras e ferramentas onde as massas humanas eram simples trabalhadores despossuídos.
Cada passo da sociedade capitalista capitaneava a desintegração e o solapamento de instituições e costumes reinantes, para constituir-se em novas formas de organização social. As máquinas não simplesmente destruíam os pequenos artesãos, como obrigava-os à forte disciplina, nova conduta e relação de trabalho até então desconhecidas.
Em 80 anos (entre 1780 e 1860), a Inglaterra conseguiu mudar radicalmente a sua face. Pequenas cidades passou a grandes cidades produtoras e exportadoras. Estas bruscas transformações implicariam em nova organização social, pela transformação da atividade artesanal em manufatureira e fabril, como também pela emigração do campo para a cidade onde mulheres e crianças em jornadas de trabalho desumana percebiam salários de subsistência e constituía-se em mais da metade da força de trabalho industrial. Estas cidades se transformaram num verdadeiro caos, vez que sem condições para suportar um vertiginoso crescimento, deram lugar a toda sorte de problemas sociais, tais como, surtos de epidemias de tifo e cólera, vícios, prostituição, criminalidade, infanticídio que dizimaram parte das suas populações.
Este fenômeno, o da revolução industrial, determinou o aparecimento do proletariado e o papel histórico que ele desempenharia na sociedade capitalista. Os seus efeitos catastróficos para a classe trabalhadora geraram sentimentos de revolta traduzidos externamente na forma de destruição de máquinas, sabotagens, explosão de oficinas, roubos e outros crimes, que deram lugar à criação de associações livres e sindicatos que permitiram o diálogo de classes organizadas, cientes de seus interesses com os proprietários dos instrumentos de trabalho.
Estes importantes acontecimentos e as transformações sociais verificadas despertaram a necessidade investigação. Os pensadores ingleses que testemunhavam estas transformações e com elas se preocupavam não eram homens de ciência ou sociólogos profissionais. Eram homens de atitude que desejavam introduzir determinadas modificações na sociedade. Participavam de debates ideológicos onde estavam presentes correntes conservadoras, liberais e socialistas, visando orientação de ações para conservar, modificar radicalmente ou reformar a sociedade de seu tempo. Isto quer dizer que os precursores da sociologia se encontravam entre militantes políticos e entre as pessoas que se preocupavam com os problemas sociais. Entre eles estavam os pensadores: Owen (1771-1858), William Thompson (1775-1833), Jeremy Bentham (1748-1832), etc., cujos escritos foram de importância capital para a formação e constituição de um saber sobre a sociedade.
A sociologia constitui uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial, como por exemplo, a situação dos trabalhadores, o aparecimento das cidades industriais, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica, etc. É a formação e uma estrutura social específica – a sociedade capitalista – que impõe uma reflexão sobre a sociedade, suas transformações, suas crises, e sobre seus antagonismos de classe.
A observação e o experimento como fontes da exploração dos fenômenos da natureza propiciou a acumulação de fatos. O relacionamento entre estes, possibilitaria o seu controle e domínio. O pensamento filosófico do século XVII contribuiu para popularizar os avanços do pensamento científico. “A teologia deixaria de ser a forma norteadora do pensamento. A autoridade em que se apoiava um dos alicerces da teologia, cederia lugar a uma dúvida metódica que possibilitasse um conhecimento objetivo da realidade” (Francis Bacon 1561-1626). Para ele o novo método de conhecimento (observação e experimentação), ampliaria infinitamente o poder do homem e deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade.
O uso sistemático da razão, do livre exame da realidade, representou um grande salto para libertar o conhecimento do controle científico, da tradição, da “revelação” e, conseqüentemente, para a formulação de uma nova atitude intelectual diante dos fenômenos da natureza e da cultura.
Se no século XVIII os dados estatísticos voavam, dando conta de uma produtividade desconhecida, o pensamento social também divagava rumo a novas descobertas. Se o processo histórico possui lógica, pode ser compreendido e assim abrir novas pistas para o estudo racional da sociedade (Vico 1668-1744). Para ele é o homem que produz a história. Daí, afirmava que a sociedade podia ser compreendida porque, ao contrário da natureza, ela constitui obra dos próprios homens.
Esta postura influenciou os historiadores escoceses da época, como David Hume (1711-1776) e Adam Ferguson (1723-1816), e seria posteriormente desenvolvida e amadurecida por Hegel e Marx. Foi também dessa época a disposição e tratar a sociedade a partir do estudo de seus grupos e não dos indivíduos isolados, a cuja corrente pertencia Adam Ferguson que foi influenciado pelas idéias de Bacon de que é a indução, e não a dedução, que nos revela a natureza do mundo, e a importância da observação enquanto instrumento para a obtenção do conhecimento.
É a intensidade dos conflitos entre as classes dominantes da sociedade feudal e a burguesia revolucionária que leva os filósofos, seus representantes intelectuais, a atacarem de forma impiedosa a sociedade feudal e sua estrutura de conhecimento, e a negarem abertamente a sociedade existente.
Os iluministas, enquanto ideólogos da burguesia, com posições revolucionárias, atacavam firmemente os fundamentos da sociedade feudal e seus privilégios e as restrições que esta impunha aos interesses econômicos e políticos da burguesia. Estes iluministas reformularam as idéias e procedimentos de seus antecessores como Descartes, Bacon, Hobbes: ao invés de usarem a dedução como a maioria dos pensadores do século XVII, os iluministas insistiam numa explicação da realidade baseado no modelo das ciências da natureza, influenciados mais por Newton (modelo de conhecimento baseado na observação, experimentação e acumulação de dados), do que por Descartes (método de investigação baseado na dedução).
Combinando o uso da razão e da observação, os iluministas analisaram quase todos os aspectos da sociedade (população, comércio, religião, moral, família, etc.).O objetivo do estudo era demonstrar que as instituições eram irracionais e injustas, que atentavam contra a natureza dos indivíduos e impediam a liberdade do homem, por isso deviam ser eliminadas. Para eles o indivíduo possuía razão, perfeição inata e era destinado à liberdade e à igualdade social. Reivindicavam a liberação do indivíduo de todos os laços sociais tradicionais, tal como as corporações, a autoridade feudal, etc.
O visível progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de pensar e viver, contribuía para afastar interpretações fundadas em superstições e crenças infundadas e abria espaço para a constituição de um saber sobre os fenômenos histórico-sociais.
O “homem comum” da época também passou a deixar de encarar, cada vez mais, as instituições sociais, as normas, como fenômenos sagrados e imutáveis submetidos a forças sobrenaturais, percebendo-os como produtos da atividade humana passíveis de serem conhecidos e mudados.
A ferrenha crítica dos iluministas às instituições feudais constituía-se em claro indício da putrefação da luta que a burquesia travava no plano político contra a classe feudal dominante. Na França, as forças burguesas ascendentes colidia com a típica monarquia absolutista que privilegiava aproximadamente quinhentas mil pessoas em detrimento de vinte e três milhões de habitantes, no final do século XVIII. Estes privilégios incluía isenção de impostos, direito de receber tributos feudais e impedia a formação de livre-empresa e a exploração eficiente da terra e incapaz de criar uma administração padronizada através de uma política tributária racional e imparcial.
A burguesia, ao tomar o poder em 1789, insurgiu-se definitivamente contra os fundamentos da sociedade feudal, ao construir um Estado que assegurasse sua autonomia diante da Igreja e que incentivasse e protegesse a empresa capitalista. Aconteceu aí uma liquidação do regime antigo. Em menos de um ano a velha estrutura e o Estado monárquico estavam liquidados, inclusive abolindo radicalmente a antiga forma de sociedade e suas tradicionais instituições, arraigados costumes e hábitos, promovendo sensíveis alterações na economia, na política e na vida cultural. Neste contexto se situam a abolição das corporações e dos grêmios e a promulgação de legislação que limitava os poderes patriarcais na família, coibindo os abusos da autoridade do pai e forçando-o a uma divisão igualitária da propriedade. Confiscou propriedades da Igreja, suprimiu os votos monásticos e responsabilizou o Estado pela educação. Acabou com antigos privilégios de classe e amparou e incentivou o empresário.
O choque da revolução foi tão intenso, que após quase setenta anos de seu triunfo, o pensador francês Alexis de Tocqueville disse dela: “A revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo a cabeça do monstro, descobre-se que, após ter destruído as instituições políticas, ela suprime as instituições civis e muda, em seguida, as leis, os usos, os costumes e até a língua; após ter arruinado a estrutura do governo, mexe nos fundamentos da sociedade e parece querer agredir até Deus...” Este espanto também foi partilhado por outros como Durkheim, Sant-Simon, Comte, Le Play, etc.
Os conservadores chamados de “profetas do passado” construíram suas obras contra a herança dos filósofos iluministas. Não eram intelectuais que justificavam a sociedade por suas realizações políticas ou econômicas. Ao contrário, a inspiração do pensamento conservador era a sociedade feudal, com sua estabilidade e acentuada hierarquia social. Não se interessavam em defender uma sociedade moldada nos princípios defendidos pelos iluministas nem um capitalismo que se transformava mostrando sua faceta industrial e financeira. O fascínio que as sociedades da Idade Média exercia sobre estes pensadores conferiu-lhes e às suas obras um forte sabor medieval. Por interesse direto, alguns deles eram defensores ferrenhos das instituições religiosas, monárquicas e aristocráticas em franco processo de desmantelamento.
As idéias dos conservadores eram um ponto de referência para os pioneiros da sociologia, interessados na preservação da nova ordem econômica e política que estava sendo implantada. Adaptando, inclusive, algumas concepções dos “profetas do passado” às novas circunstâncias históricas, pela impossibilidade total de retorno ao passado.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1) De acordo com o historiador inglês Eric Hobsbawn, “as transformações levadas a efeito pela Revolução Industrial inglesa foram muito mais sociais que técnicas, tendo em vista que é nessa fase que se consubstancia a diferença crescente entre ricos e pobres”. Comente as repercussões sociais impostas pela Revolução Industrial.
2) Quais eram as críticas feitas pelos pensadores iluministas à sociedade do séc. XVIII?
3) O surgimento da sociologia ocorre num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação feudal e da consolidação da civilização capitalista. Comente qual a importância desses acontecimentos para a Sociologia.
4) Analise as razões pelas quais o pensamento religioso exerceu forte influência sobre a sociedade feudal durante a Idade Média.
2. Os Primeiros Sociólogos:
Saint-Simon, Comte, Durkheim, Marx e Weber
Pode-se dizer que a oficialização da Sociologia foi uma criação do positivismo. A Sociologia de inspiração positivista visa a criar um objeto autônomo – o social – e a instaurar uma relação de independência entre os fenômenos sociais e econômicos.
Saint-Simon (1760-1825) possuía uma faceta progressista, posteriormente incorporada ao pensamento socialista, porém neste trabalho será dada maior ênfase ao seu lado positivista. Esse pensador acreditava que a existência de uma ciência da sociedade seria vital para a restauração da ordem na sociedade francesa pós-revolucionária. Assim, a nova ciência deveria descobrir as leis do progresso e do desenvolvimento social. De acordo com sua visão otimista em relação à industrialização, Saint-Simon considerava que ela traria progresso econômico, segurança para os homens e reduziria consideravelmente os conflitos sociais. Como medida de apoio, o pensamento social deveria orientar a indústria e a produção. Ele admitia, porém, a existência de conflitos entre dominantes e dominados e devido a isso, sustentava a idéia de que os industriais e os cientistas deveriam procurar melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Caberia, também, à ciência da sociedade descobrir novas normas capazes de guiar a conduta da classe trabalhadora, refreando seus ímpetos revolucionários.
Segundo vários historiadores do pensamento social, muitas idéias de Saint-Simon foram incorporadas por Auguste Comte (1798-1857), um dos fundadores da Sociologia que defendia decididamente a nova sociedade.
Para o estudo da vida social, Comte sustentava o estabelecimento de leis imutáveis, conforme as ciências físico-naturais. Desse modo, a Sociologia seria a “Física social”, que deveria utilizar em suas investigações o mesmo método sistemático daquelas ciências. Em suas pesquisas, ele salientou a necessidade de se evitar as crises sociais, ou se possível, de prevê-las. Basicamente, a ciência conduziria à previdência, a qual daria subsídios à ação.
Um aspecto característico das idéias de Comte é sua preocupação com a complementaridade necessária da ordem e do progresso na nova sociedade. Para ele, o equilíbrio entre esses dois elementos seria fundamental, já que os conservadores defendiam a ordem em detrimento do progresso e os revolucionários eram ávidos pelo progresso, deixando a ordem em segundo plano. Transferindo suas idéias para a prática, implantando a ordem e também criando um conjunto de crenças comuns a todos os homens, Comte acreditava que seria possível reverter a situação de desorganização social vivenciada pelas sociedades européias e chegar gradativamente ao progresso.
Principais conceitos de Marx, Durkheim e Weber
MARX
Karl Marx (1818-1883) talvez seja o mais conhecido cientista social e também o menos conhecido. Explico melhor: é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar de Marx, mas também é difícil encontrar pessoas que conheçam bem as idéias deste autor. Talvez porque o pensamento de Marx seja muito aberto, o que possibilita leituras diferenciadas. Mas o pensamento de Marx é mais bem aproveitado pelos economistas que pelos cientistas sociais. Isso porque para Marx, a mercadoria é a base de todas as relações sociais, e este é o ponto-chave para a compreensão de suas idéias. Para ele, há uma tendência histórica das relações sociais se mercantilizarem: tudo vira mercadoria.
Provavelmente Marx tenha dado tanta importância à economia porque estivesse presenciando as mudanças sociais provocadas pela Revolução Industrial, principalmente nas relações de trabalho, veja esta análise de Marx sobre a sociedade: "Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais."
"A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência".
"Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência".
A partir da centralidade da mercadoria no pensamento de Marx, podemos entender alguns de seus conceitos mais importantes. Comecemos pela divisão do trabalho.
DIVISÃO DO TRABALHO
Evolutivamente, a divisão do trabalho é a segunda maneira de construir relações sociais de produção, que são formas como as sociedades se organizam para suprir suas necessidades. A primeira é a cooperação. Falar em divisão do trabalho em Marx é falar em formas de propriedade. Isso porque a divisão do trabalho se dá entre quem concede e quem executa o trabalho, entre os donos dos meios de produção e os donos da força de trabalho.
CLASSES
Da divisão do trabalho surgem as classes. Para Marx, as classes não são constituídas de agregados de indivíduos, mas são definidas estruturalmente: as classes são efeito da estrutura. No modo de produção antigo as classes eram a dos patrícios e dos escravos; no modo de produção feudal, havia senhores e servos; no modo de produção capitalista, burgueses e operários. Há sempre uma relação de oposição entre duas classes, de modo que uma não existe sem a outra. Esta oposição ele chamou de luta de classes.
LUTA DE CLASSES
A luta de classes, assim como as classes decorrem da divisão do trabalho. Nas sociedades modernas a luta de classes se dá entre capitalistas ou burgueses (donos dos meios de produção) e trabalhadores ou proletariado (donos da força de trabalho). O trabalho nas sociedades modernas é denunciado por Marx pelo seu caráter exploratório do trabalhador. No entanto, Marx vê uma solução para esta relação exploratória: a revolução que seria feita pelo proletariado. No entanto, a revolução do proletariado contra o modo de produção capitalista só não acontece, segundo Marx, devido à alienação.
FETICHISMO
A separação da mercadoria produzida pelo trabalhador dele mesmo esconde o caráter social do trabalho. O fetichismo se dá quando a relação entre os valores aparece como algo natural, independente dos homens que os criaram. A criatura se desgarra do criador. O fetichismo incapacita o homem de enxergar o que há por trás das relações sociais. E o maior exemplo de fetichismo da mercadoria é a mais-valia.
MAIS-VALIA
A mais-valia é o excedente de trabalho não pago, não incluído no salário do trabalhador. É a mais-valia que forma o lucro que será investido para aumentar o capital.
ALIENAÇÃO
A alienação faz com que o trabalhador não se reconheça no produto de seu trabalho, não percebendo a sua condição de explorado. A solução para o problema da alienação passa por uma luta política do próprio proletariado e não pela educação.
IDEOLOGIA
Como dissemos, as classes dominantes controlam os meios de produção. A infraestrutura (conhecimentos, fábricas, sementes, tecnologia etc.), que está nas mãos da classe dominante, determina a superestrutura (Estado, Direito, Religião, Cultura etc.). A superestrutura é uma construção ideológica que serve para garantir o poder da classe dominante, mantendo a classe trabalhadora alienada.
PRINCIPAIS CRÍTICAS SOCIOLÓGICAS A MARX
Marx não reconhece outros fatores de formação social além dos econômicos. Para ele, a economia determina todas as relações sociais, o que foi amplamente apropriado pelos economistas. Existem critérios não econômicos que as idéias de Marx não dão conta na hora de analisar sociologicamente uma sociedade. Por exemplo, Marx desconsidera a divisão técnica do trabalho. Para ele, a divisão do trabalho obedece apenas fatores econômicos.
As idéias de Marx aproximam-se mais de uma filosofia moralista que de uma produção científica. Talvez este seja o motivo de tento sucesso das idéias de Marx durante o século XX, o que deu origem ao marxismo, que são interpretações dos escritos de Marx. A verdade em Marx é uma verdade absoluta, moralista, doutrinária. Isso dá à teoria marxista um caráter ilustrativo: como a “verdade” já foi descoberta (por Marx), cabia aos cientistas ilustrar com exemplos a ‘verdade’ enunciada por Marx. Por muito tempo os cientistas sociais aplicaram a teoria de Marx.
DURKHEIM
David Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858, na França, e morreu em 1917. O princípio sociológico de Durkheim está fundado no social. Para ele, o que não advém do social não tem importância para a sociologia que ele pretende fazer. Isso porque a sociedade é a pré-condição de ser humano: é na sociedade que o indivíduo. A vida social unifica, estrutura e gera significados para a existência humana. Ele é determinista, dando absoluto predomínio ao social tanto no plano causal quanto no plano das ações.
O social existe no plano ideal. Para Durkheim, é no social que está tudo aquilo que a gente sabe, que os antepassados descobriram e que as futuras gerações irão descobrir. O social é universal e, por isso, objetivo e racional, veja: “É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior.”; ou ainda, “que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais.” Ou ainda:Todas as maneiras de ser, fazer, pensar, agir e sentir desde que compartilhadas coletivamente. Variam de cultura para cultura e tem como base a moral social, estabelecendo um conjunto de regras e determinando o que é certo ou errado, permitido ou proibido.”
REPRESENTAÇÕES COLETIVAS
O social cria representações coletivas, que são atitudes comuns de uma determinada coletividade em uma determinada época. Esta representação coletiva independe dos indivíduos, pois o indivíduo não tem poder criativo. Em Durkheim, o social que determina o indivíduo. É como se cada indivíduo trouxesse em si a marca do social, e esta marca determinasse suas ações.
SOLIDARIEDADE
A comunhão dessas representações coletivas é por ele chamado de solidariedade. Não se trata de um sentimento de bondade, mas de uma comunhão de idéias. A solidariedade é o partilhar de um mesmo conjunto de regras.
Há dois tipos de solidariedades, a mecânica ou por similitudes e a orgânica ou devida à divisão do trabalho. A evolução de uma sociedade faz com que ela passe da solidariedade mecânica, em que o partilhar das regras é feita de maneira coerciva, para a solidariedade orgânica, em que o partilhar das regras sociais é feita a partir da diferenciação feita pela divisão do trabalho social. Mas até em sociedades mais complexas ainda há espaço para a solidariedade mecânica. É o caso do direito penal: o direito penal é um resíduo de solidariedade mecânica ainda existente nas sociedades complexas.
DIVISÃO DO TRABALHO E FUNCIONALISMO
A divisão do trabalho, para ele, pode ser: normal ou geral e anômica ou patológica. Normal é o que se repete de maneira igual, o que funciona espontaneamente, gerando a solidariedade necessária à evolução do social. O patológico é aquilo que difere do normal. Durkheim acha que as coisas tendem à normalidade: até o patológico caminha para a normalidade.
Durkheim compara a sociedade a um corpo humano, onde o Estado é o cérebro, elaborando representações coletivas que aperfeiçoem a solidariedade. Para ele, todas as partes do corpo tem uma função, não havendo hierarquias entre as diferentes partes. É uma sociedade harmônica.
Até o crime é considerado normal porque não há sociedade onde não haja crime e também tem uma função social, a função de manter e gerar uma coesão social. Quando acontece um crime, a consciência coletiva é atingida: o social é agredido pelo indivíduo. Um ato não ofende a consciência coletiva porque seja criminoso, mas é criminoso porque ofende a consciência coletiva. No entanto, o Estado pode fortalecer a consciência coletiva através da punição do criminoso. É através da punição do criminoso que a consciência coletiva mantém a sua vitalidade. A pena impede um crescimento exagerado do crime, não permitindo que ele se torne patológico.
Numa visão durkheimiana, a impunidade, não-punição do crime pelo Estado, enfraquece a consciência coletiva, os laços de solidariedade, gerando um estado de anomia. Quando o patológico prevalece sobre o normal, há uma desestruturação social. O estado de anomia é uma situação limite e sem função na sociedade.
PRINCIPAIS CRÍTICAS SOCIOLÓGICAS A DURKHEIM
Durkheim dá excessiva ênfase ao social, o que acaba retirando a responsabilidade do indivíduo em suas ações. Há pouco espaço para o indivíduo decidir, escolher, no pensamento durkheimiano. Até a idéia de indivíduo, segundo ele, é construída pelo social.
Suas teorias sofrem muita influencia do positivismo e do evolucionismo social.
WEBER
Max Weber nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864, e faleceu em junho de 1920. Weber vive numa época em que as idéias de Freud impactavam as ciências sociais e em que os valores do individualismo moderno começavam a se consolidar. A grande inovação que Weber trouxe para a sociologia foi o individualismo metodológico. Para ele, o indivíduo escolhe ser o que é, embora as escolhas sejam limitadas pelo grau de conhecimento do indivíduo e pelas oportunidades oferecidas pela sociedade. O indivíduo é levado a escolher em todo instante, o que faz da vida uma constante possibilidade de mudança. O indivíduo escolhe em meio aos embates da vida social. Essa idéia faz com que o sentido da vida, da história, seja dado pelo próprio indivíduo. Os processos não têm sentido neles mesmos, mas são os indivíduos que dão sentido aos processos.
AÇÃO SOCIAL
A sociedade em Weber é vista como um conjunto de esferas autônomas que dão sentido às ações individuais. Mas só o indivíduo é capaz de realizar ações sociais. A ação social é uma ação cujo sentido é orientado para o outro. Um conjunto de ações não é necessariamente ação social. Para que haja uma ação social, o sentido da ação deve ser orientada para o outro. Seja esta ação para o ‘bem’ ou o ‘mal’ do outro. A ação social não implica uma reciprocidade de sentidos: o outro pode até não saber da intenção do agente.
Para Weber há quatro tipos de ação social: ação social tradicional, ação social afetiva, ação social racional quanto aos valores, ação social racional quanto aos fins.
Ação social tradicional é aquela que o indivíduo toma de maneira automática, sem pensar para realiza-la.
Ação social afetiva implica uma maior participação do agente, mas são respostas mais emocionais que racionais. Ex.: relações familiares. Segundo Weber, estas duas primeiras ações sociais não interessam à sociologia.
Ação racional com relação a valores é aquela em que o sociólogo consegue construir uma racionalidade a partir dos valores presentes na sociedade. Esta ação social requer uma ética da convicção, um senso de missão que o indivíduo precisa cumprir em função dos valores que ele preza.
Ação racional com relação aos fins é aquela em que o indivíduo escolhe levando em consideração os fins que ele pretende atingir e os meios disponíveis para isso. A pessoa avalia se a ação que ela quer realizar vale a pena, tendo em vista as dificuldades que ele precisará enfrentar em decorrência de sua ação. Requer uma ética de responsabilidade do indivíduo por seus atos.
RELAÇÃO SOCIAL
Até agora falamos de ação social em Weber, que em diferente de relação social. Enquanto o conhecimento do outro das intenções do agente não importa para a caracterização da ação social, a relação social é o sentido compartilhado da ação. Relação social não é o encontro de pessoas, mas a consciência de ambas do sentido da ação. A relação social é sempre probabilística, porque ela se fundamenta na probabilidade de ocorrer determinado evento, o que inclui oportunidade e risco. A vida social é totalmente instável: a única coisa estável da vida social é a possibilidade (e necessidade) de escolha. Não há determinismos sobre a o que será a sociedade. Por isso, as análises sociológicas são baseadas em probabilidades e não em verdades.
DOMINAÇÃO
Como já dissemos a vida social para Weber é uma luta constante. Por conta disso, ele não vê possibilidade de relação social sem dominação. Todas as esferas da ação humana estão marcadas por algum tipo de dominação. Não existe e nem vai existir sociedade sem dominação, porque a dominação é condição de ser da sociedade. A dominação faz com que o indivíduo obedeça a uma ordem acreditando que está realizando sua própria vontade. O indivíduo conforma-se a um padrão por sua própria escolha e acha que está tomando uma decisão própria.
Existem pelo menos três tipos de dominação legítima: legitimação tradicional, legitimação carismática e legitimação racional. Para Weber a burocracia é a mais bem acabada forma de dominação legítima e racional. A burocracia baseia-se na crença na legalidade ou racionalidade de uma ordem. A burocracia mais eficaz de exercer a dominação. E é uma conseqüência do processo de racionalização da vida social moderna, sendo responsável pelo gerenciamento concentrado dos meios de administração da sociedade. A burocracia é uma forma de organizar o trabalho, é um padrão de regras para organizar o trabalho em sociedades complexas. A modernização para ele é o processo de passagem de uma perspectiva mais tradicional do mundo (em que as coisas são dadas) para uma perspectiva mais organizada (onde as coisas são elaboradas, construídas). Mas para Weber, só o herói individual (o líder carismático) pode alterar o rumo da história. Mesmo que imediatamente, uma vez que para Weber toda legitimação carismática tende a tornar-se legitimação tradicional.
ESFERAS SOCIAIS
A dominação pode ser exercida em diferentes esferas da vida social. As “esferas” são mais analítico-teóricas que reais, e são criadas pela divisão social do trabalho. Uma esfera não determina uma outra esfera, mas elas trocam influências entre si. As esferas são autônomas, mas não independentes. A esfera é o lugar de luta por um tipo de sentido para as relações sociais. Classes, estamentos e partidos são fenômenos da disputa de poder nas esferas econômica, social e política, respectivamente.
CLASSE E ESTAMENTO
Vamos falar um pouco mais de classe e estamento em Weber, até para diferencia-lo de Marx. Classe para Weber é o conjunto de pessoas que tem a mesma posição diante do mercado. Há dois tipos básicos de classe, as que têm algum tipo de bem e as que não tem algum tipo de bem. Mas as classes também se diferenciam pela qualidade dos bens possuídos. As classes, como já dissemos estão ligadas à esfera econômica da vida social. Para Weber, a esfera econômica não tem capacidade de produzir um sentimento de pertencimento que seja capaz de gerar uma comunidade.
Estamento está ligado à esfera social, que é capaz de gerar comunidade. Estamento é um grupo social cuja característica principal é a consciência do sentido de pertencimento ao grupo. A luta por uma identidade social é o que caracteriza um estamento. A luta na esfera social é para saber qual estamento vai dominar. As profissões podem ser analisadas como estamentos.
PRINCIPAIS CRÍTICAS SOCIOLÓGICAS A WEBER
Weber supervaloriza o indivíduo, tornando demasiada a cobrança sobre suas escolhas e conformidades. Talvez nem tudo seja escolhido individualmente.
Ele ao mesmo tempo em que vê na burocracia forma mais acabada de dominação legítima, acha que a burocracia fortalece a democracia por causa de sua impessoalidade. Talvez ele não tenha tido tempo para perceber que a burocracia tem a possibilidade de ser um instrumento de democratização, mas que freqüentemente funciona de maneira contrária, servindo apenas como instrumento de dominação.
RELEVÂNCIA ATUAL DE MARX, DURKHEIM E WEBER PARA A SOCIOLOGIA
A principal importância de Marx para hoje é que podemos dizer que ele ao enunciar que tudo vira mercadoria, acertou (ou contribuiu para isso). A prevalência da economia hoje em dia, representada pela força dos próprios economistas na sociedade (funcionando como gurus), dá uma idéia da importância de Marx para as ciências sociais. Outro aspecto importante é que o uso da teoria marxista hoje não precisa se preocupar com a análise da realidade política, uma vez que o socialismo real chegou ao fim.
A importância de Durkheim é que não se pode fazer sociologia da educação sem Durkheim, principalmente na análise de processos de socialização a partir da escola. Durkheim fornece instrumentos para entender os processos. O conceito de anomia, por exemplo, é básico para entender mudanças que impliquem alterações nas relações sociais, tais como modernização da sociedade, urbanização, industrialização, padrões morais e construção/alteração de identidades coletivas.
Weber talvez seja o mais atual dos autores clássicos da sociologia com importantes contribuições para a teoria antropológica, devido ao seu individualismo metodológico, para a sociologia das profissões, para a análise das relações de dominação e dos processos de racionalização das sociedades. Mas sem dúvida a grande contribuição de Weber foi a necessidade de pesquisas empíricas para afirmar alguma coisa científica. Isso porque sua teoria não aceita determinismos.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
1) Comente quais as diferenças entre a definição de fato social de Durkheim e a de ação social de Max Weber.
2) Qual seria o papel da estrutura econômica na transformação de sociedade, segundo Karl Marx?
3) Explique de que maneira a sociedade evolui, segundo o Positivismo de Auguste Comte.
4) Explique em quais situações ocorre, segundo Durkheim, uma anomia social.
5) Quais são os tipos de ações sociais, segundo Weber?
6) Segundo Marx, como surgem as classess sociais nas sociedades?
O que interessa aos sociólogos
Os homens, em todo mundo, vivem em grupo. Isto favorece os sociólogos, uma vez que as conseqüências da vida em grupo são o objeto de estudo da Sociologia. O interesse pelo grupo é o que diferencia os sociólogos dos outros cientistas sociais. Por que grupos como a família, a tribo ou a nação sobrevivem através dos tempos ate mesmo durante as guerras ou revoluções. Por que um soldado deve lutar e enfrentar a morte, quando poderia esconder–se ou fugir. Por que o homem se casa e assume responsabilidade de família, quando poderia, com a mesma facilidade, satisfazer seus impulsos sexuais fora do casamento. Que efeitos produz a vida em grupo sobre o comportamento dos membros do grupo. Será que as pessoas que vivem em tribos pré-letradas, isoladas, se comportam diferentemente das que vivem em Nova York, ou num subúrbio parisiense.
Os sociólogos interessam-se igualmente pelas causas das mudanças ou da desintegração nos grupos. Por exemplo, querem saber por que alguns casamentos terminam em divórcio. Querem saber por que há um maior número de divórcios em alguns países do que em outros, e por que o número de divórcios aumenta ou diminui com o tempo. Querem saber, ainda, se o comportamento das pessoas se modifica depois de uma mudança do campo para a cidade ou da cidade para os subúrbios.
Finalmente, os sociólogos estudam o relacionamento entre os membros de um grupo entre os grupos. Qual o relacionamento entre o marido e mulher e entre os pais e os filhos nos Estados Unidos de hoje. Assemelha-se esse relacionamento ao da família americana antiga ou ao das famílias em outros países. Quais as causas entre o conflito entre negros e brancos no Sul. O trabalho, a industria e o governo nos Estados Unidos estarão relacionados entre si da mesma forma que os grupos da Austrália ou na ex-União Soviética. Por que alguns grupos da sociedade possuem bens materiais e mais prestigio que os outros.
Texto: Caroline B. Rose, Iniciação ao estudo da sociologia, p. 9-10. 1997.
QUESTÕES SOBRE O TEXTO
1. Faça uma síntese das principais áreas de interesse dos sociólogos.
2. Dê um exemplo de situação, ligada à sua vida, que pode ser explicada pela pesquisa sociológica.